TARJA VERMELHA: abril 2007 <body topmargin="0" leftmargin="0">
 

sons. imagens. letras. inutilidades e afins. tendências. modismos  velharias. devaneios. realidade. farmácias e remédios.

 
Anestesia: Pecados Íntimos (2006)
Anestesia: O Último Rei da Escócia (2006)
Tratamento de Choque: Fonte da Vida (2006)
Tratamento de Choque: A Passagem (2005)
Anestesia: O Teatro Mágico
Pílula do dia seguinte: Cores
Anestesia: The Arcade Fire – Neon Bible (2007)
Tratamento de Choque: Babel (2006)
Anestesia: O Céu de Suely (2006)
Tratamento de Choque: Marie Antoinette (2006)
 
março 2007
abril 2007
 

Blog do Dez

Kibe Loco

 

 

Anestesia: Pecados Íntimos (2006)



Os subúrbios americanos, com suas belas casas pré-moldadas com jardins impecáveis e cercas brancas, escondem segredos e desejos reprimidos que o cinema e a televisão americana nos últimos anos vêm fazendo questão de desvendar. Do oscarizado Beleza Americana (Sam Mendes, 1999) a série de sucesso Desperate Housewives, o lado obscuro das donas de casa reprimidas e seus maridos ausentes e/ou infiéis vêm constantemente sendo alvo de discussões, seja em comédias de humor negro ou dramas inquietantes como esse Pecados Íntimos (Little Children, 2006).

Alguns anos após o sucesso de Entre Quatro Paredes (In the bedroom, 2000), o cineasta Todd Field volta à cena e direciona sua câmera sempre naturalista para a hipocrisia que habita os lares aparentemente perfeitos da América. A teia de personagens revela frustrações profissionais, perversões sexuais, pedofilia e casamentos falidos. O ponto de partida é a liberação, em condicional, de Ronnie (Jackie Early Haley, em excelente atuação), um molestador de crianças. Tal fato leva medo e paranóia ao belo e pacato bairro, apesar de Ronnie representar apenas a porção visível do desequilíbrio daquela sociedade.

A trama principal gira em torno de Sarah (Kate Winslet, em seu melhor papel desde Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças) e Brad (Patrick Wilson, de O Fantasma da Ópera). Casados e descontentes com seus respectivos parceiros, se conhecem casualmente em um playground. A atração é inevitável. E o casal incendeia a tela. Sarah representa a lucidez e a covardia: inteligente o suficiente para reprimir e cutucar a mediocridade que a rodeia, porém sem atitude para mudar o próprio destino. Brad traz a frustração: formado em Direito, mas sem conseguir aprovação no exame da ordem, depende exclusivamente da bem sucedida esposa Kathie (Jennifer Connelly, bela como nunca e pouco aproveitada).

A força de Pecados Íntimos reside justamente na composição de seus personagens. Os seres errantes mostrados na tela causam comoção, pena, repúdio e asco. Mas não é um filme feio, pelo contrário. Os belos planos criados pelo diretor nos dão a impressão exata de quão mascarada é a felicidade dos americanos. A narrativa de Field é envolvente, convidativa, silenciosamente sedutora, como quem cochicha segredos inconfessáveis nos ouvidos atentos da platéia. A imagem mais marcante do filme recorre aos seus mais encantadores personagens (algo perdido com a infeliz tradução do título do filme para o português). É a origem de problemas maiores, tais como as tragédias em Columbine e Virginia. Pode soar pessimista. Apesar do final extremamente moralista, Pecados Íntimos é perturbador por não exorcizar tais medos, e sim potencializá-los.

By Céu

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Anestesia: O Último Rei da Escócia (2006)




Ultimamente, o cinema americano vem produzindo alguns filmes contudentes focando conflitos e problemas do continente Africano, desde o sufocante Hotel Ruanda (Terry George, 2004), passando pelo maravilhoso O Jardineiro Fiel (Fernando Meirelles, 2005), até o recente Diamante de Sangue (Edward Zwick, 2006). Adiciona-se a essa lista o correto O Último Rei da Escócia, filme que ganha força em virtude da genial e já clássica interpretação do veterano Forest Whitaker (O quarto do pânico), que encarna (literalmente) o ditador ugandense Idi Amin, em papel que lhe valeu o Oscar e o Globo de Ouro deste ano.

Dirigido pelo documentarista Kevin Macdonald (Um Dia em Setembro), o filme mostra a íntima relação entre o então presidente Amin e seu médico particular Nicholas Garrigan (James McAvoy, de As Crônicas de Nárnia, que não deixa o elevado nível cair) na década de 70. Conhecemos então a intimidade do ditador, sua relação com suas várias esposas e filhos, sua rotina doméstica e social. Percebe-se resquícios de humanidade e simpatia, que se perdem ao longo dos anos de poder, culminando numa das maiores atrocidades cometidas por um regime político em toda a história recente: a morte de mais de 300 mil civis ugandenses, vítimas do ódio e da desconfiança.

O desenvolvimento gradual do roteiro, passando da euforia ao temor constante, coincide com o desenvolvimento emocional dos personagens. É então que o brilho e a competência de Whitaker são revelados. Seu Amin é farrista, dependente, simpático, manipulador e inseguro. E é justamente sua imaturidade como governante que leva à perda da identidade e à onda de violência, contra seu povo e seus companheiros mais próximos. O final revoltante provavelmente despertará as pessoas para uma maior conexão com aquele continente. Para que essas mesmas pessoas percebam algo que é silenciosamente estuprado pelo Ocidente. Vendo o que está acontecendo na África talvez afete suas próprias vidas, escolhas e decisões.

By Céu

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Tratamento de Choque: Fonte da Vida (2006)



Seria a morte um ponto final? Seria nossa existência apenas um rascunho de algo maior? Ou a morte seria um recomeço, onde nos é concedida uma nova chance? E existiria algo ou alguém que seria o responsável por tal consentimento? Essas questões sempre foram chaves indecifráveis da humanidade, desde as civilizações primitivas até o mundo moderno. Ciência e religião promovem há séculos um embate feroz, onde teorias são formuladas e refutadas em igual intensidade e periodicidade. Charles Darwin, Buda, Alan Kardec, Maomé. Alguns nomes e identidades memoráveis que discerniram sobre o assunto sem chegarem a respostas, apenas a posicionamentos.

Essa pequena introdução serve como um simples aviso: Fonte da Vida, o novo filme do cultuado Darren Aronofsky (Pi, Réquiem para um sonho), pede, ou melhor, implora para o espectador embarcar livre de pré-conceitos, em todos os sentidos. Feito isso, preparem-se para a maior viagem de ácido financiada por um grande estúdio que o cinema moderno já produziu!

Ao contar a história do médico pesquisador Tommy (Hugh Jackman, no grande momento de sua carreira até o momento) que busca incansadamente a cura para o câncer que consome sua amada esposa (Rachel Weisz, dona dos olhos mais expressivos de Hollywood), Fonte da Vida embarca numa viagem lisérgica sem precedentes ao remontar a busca pela árvore da juventude na América Espanhola pelo explorador Tomás (novamente Jackman, barbudo e feroz) a pedidos da rainha ibérica Isabel (Weisz novamente) e ao viajar ao futuro dentro de uma bolha apresentado-nos ao seu ‘piloto’ Tom (Jackman, careca, existencialista e angustiante em sua solidão eterna). Parece complicado? Sim e não!

A forma como Aronofsky aborda e interliga as três histórias, com cortes precisos, transições fluentes e belíssimas rimas visuais (reparem como os pêlos da nuca da Izzy se confundem com os tricomas da árvore no passado e no futuro), facilitam em parte o entendimento do todo. Isoladamente as histórias se enfraquecem. Mas não foi de forma alguma a intenção do diretor dar sobrevida a cada uma delas. O filme tem que ser apreciado por inteiro, amparado pela magistral trilha sonora de seu habitual colaborador, Clint Mansell (Réquiem para um sonho).

A obsessão continua sendo o tema principal da filmografia do diretor. E aqui ela é potencializada. A busca pela juventude eterna, as tentativas intermináveis de encontrar a cura do câncer, a viagem rumo a uma estrela moribunda. Tomás/Tommy/Tom personificam o ousado, o persistente, o obsessivo. Mas desta vez as obsessões são fomentadas pelo amor. E isso se torna o grande diferencial da obra. Eis aqui a mais bela história de amor contada pelo cinema em muito, muito tempo.

Os vinte minutos finais de Fonte da Vida representam tudo aquilo que Hollywood detesta. Mas são os vinte minutos mais impactantes e originais que a mesma Hollywood produziu em anos. O nó cego (ou seriam os nós?) que Aronofsky promove assusta, emociona, impressiona e, fato constatado, repele. O filme foi um grande fracasso de bilheteira. Mas isso de forma alguma se mostra ferramenta de julgamento. O tapa na cara dado pelo diretor a toda indústria cinematográfica se apresenta extremamente corajoso. Se a consagração não veio desta vez é por que ela não se mostra necessária. Aronofsky já talhou seu nome na história cinematográfica com seus três pequenos clássicos.

Fonte da Vida é belo. Tão belo que me deixou sem ar e sem palavras. Tão belo que fiquei com receio de escrever sobre ele e não conseguir transmitir o que ele proporciona. É um filme assustadoramente triste, mas otimista. Suas pontas soltas são propositais. Cada pessoa, junto com suas crenças e convicções, irá interpretá-lo de uma maneira diferente. Maneiras estas convenientes às tais crenças e convicções. Ao final sufocante restam apenas algumas palavras: a tal fonte da vida, a tal árvore que promete a eternidade não está aqui, não está na Guatemala, nem dentro de uma bolha espacial. O amor e todas as conseqüências de um amor bem vivido é a grande e verdadeira fonte da vida.

By Céu

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Tratamento de Choque: A Passagem (2005)



O cineasta Marc Foster (A Última Ceia, Em Busca da Terra do Nunca) prestou uma singela homenagem ao grande David Lynch com o drama A Passagem. Claramente inspirado pelos pesadelos Lynchinianos em forma de película (A Estrada Perdida, Cidade dos Sonhos), ainda que com referências autorais e visuais ‘pescadas’ de Darren Aronofsky (Pi) e Alejandro Amenábar (Abra los Ojos), o diretor concebeu uma obra coesa e redonda, com esmero técnico irretocável, mesmo que videoclipesco em excesso.

Ao contar a trajetória do psiquiatra Sam Foster (Ewan McGregor, contido e sóbrio), que tenta salvar do suicídio o jovem Henry (Ryan Gosling, indicado ao Oscar este ano pelo igualmente superlativo Half Nelson), e de sua companheira (a bela Naomi Watts, infelizmente mal aproveitada pelo roteiro), o filme remete a pesadelos eloqüentes, como uma obra de Kafka filmada, onde a tênue linha entre o ser e o existir se confunde, gerando planos de tocante e genuína emoção.

Com isso, Marc Foster criou sua obra mais controversa, não conquistando o espaço obtido pelos seus filmes anteriores em premiações. Não que isso tenha feito diferença. A Passagem é seu filme mais emocionante, sem ser piegas como Em Busca da Terra do Nunca, sem ser manipulador como A Última Ceia. Por meio de cenários belíssimos, futuristas, onde prevalece uma composição de formas duras e geométricas, o diretor costura sua colcha de retalhos até um final brilhantemente encenado, e absurdamente triste. A Passagem é cinema em essência, moderno e vibrante. David Lynch deve estar feliz, seu legado está em boas mãos!

By Céu

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